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As revoluções que podemos fazer

  • Foto do escritor: Victor Hugo Felix
    Victor Hugo Felix
  • 20 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

Em “Apenas uma mulher latino-americana”, Bruna Ramos da Fonte mescla vida pessoal e história da música para refletir sobre os ciclos das lutas sociais


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Em 2022, com a eleição do presidente Lula num difícil embate contra Bolsonaro, milhões de brasileiros respiraram aliviados, com a sensação de que a extrema direita, com seu ultranacionalismo e moralismo torto, havia, enfim, sido derrotada no país. O que era, obviamente, uma leitura muito superficial da realidade. Em pouco tempo, estaríamos lidando com movimentações fascistas muito ruidosas, como os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e a proposta de que abortos realizados após 22 semenas de gestação fossem equiparados a crimes hediondos, mesmo que envolvessem vítimas de estupro, gravidez de risco ou gestação de feto com anencefalia. 


No cenário global, a situação não é melhor. Nos EUA, Trump, com seu histórico de misoginia e xenofobia, segue disputando a campanha eleitoral mesmo após as condenações por falsificação de registros comerciais Na Europa a ascensão é da extrema direita preocupa políticos e especialistas. Logo, o fascismo, com seu conservadorismo exacerbado e sua busca truculenta por derrotar aqueles que considera causadores dos problemas do país, se revela um monstro que adormece e acorda de geração em geração. Se no passado causou os estragos da Segunda Guerra, hoje ressurge como um rolo compressor que quer passar por cima de direitos sociais e grupos minoritários, especialmente imigrantes, negros, indígenas, árabes, mulheres e a comunidade LGBT.


Contudo, os ciclos de ascensão e queda de correntes políticas que se alinham ao fascismo e seus ideais tirânicos faz também emergir expressões artísticas de enfrentamento. No Brasil e na América Latina como um todo, por conta de históricos recentes de ditaduras, temos um material muito vasto de músicas que refletem sobre o peso das opressões e a importância da liberdade. E é sobre isso que Bruna Ramos da Fonte discorre em “Apenas uma mulher latino-americana” (Ed. Rocco).


Com menção a artistas como Belchior, Victor Jara, Violeta Parra e MC Carol, a escritora expõe os resultados de uma vigorosa pesquisa sobre como as tensões sociais e a história da música se cruzaram em diferentes momentos. O tema central da obra é apresentado por meio de diversas narrativas e reflexões pessoais da autora, desde os relatos sobre os processos conflituosos de miscigenação em sua própria família até inquietações a respeito do impacto das redes sociais na geração atual. Tudo contribui para um scan mais amplo sobre o Brasil e América Latina que pulsam hoje, sem perder de vista a influência que europeus e estadunidenses exerceram e exercem sobre nossa política e nossa cultura.


A proposta da autora é justamente trazer a reflexão de que a dor causada pelos conflitos sociais gera como fruto composições artísticas que devem nos lembrar, para sempre, de erros que a sociedade não deveria mais cometer. O problema, contudo, é que a sociedade continua errando, de novo e de novo. Logo, novas músicas, novas obras, novas expressões artísticas se fazem necessárias – a existência do livro em si já é um exemplo disso.


A dor da repetição


A renovação dos ciclos de luta e enfrentamento nos traz sensação de cansaço. Todo esforço que se faz hoje para combater tais problemas deverá ser repetido no futuro, porque ainda não aprendemos, coletivamente, sobre a importância de, ao menos, abrandar as desigualdades que desumanizam grupos sociais inteiros. E esse cansaço é perigoso, porque pode nos levar à desesperança e ao conformismo.


Entretanto, o livro “Apenas uma mulher latino-americana” nos invoca a consciência de que a principal revolução que devemos fazer é interna – a busca por uma evolução pessoal que se reflita em atitudes de impacto coletivo, sensibilizando-nos para a humanidade que existe em cada uma das pessoas à nossa volta. Quanto mais essa conscientização se refletir em ações práticas que transformam a vida de quem nos rodeia, melhor.


Além disso, o resgate histórico das antigas e recentes lutas sociais, enfrentadas no Brasil, na América Latina e no mundo, nos lembra que, apesar do cansaço, é necessário que nos mantenhamos em pé para não deixarmos que os retrocessos engulam o futuro das próximas gerações. É preciso ser um pouco utópico e sonhador, vislumbrar uma sociedade mais justa mesmo que menos realista, para que sigamos caminhando em frente. O movimento é fundamental, seja a passos largos ou curtos. O único pecado que não podemos cometer é a inanição.

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